“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.” (Eclesiastes 3:1)
Em maio de 2016, escrevi um artigo chamado “Tempo para tudo”, o qual também está no blog. Naquela ocasião, teci algumas reflexões sobre a importância de administrar adequadamente esse bem precioso chamado tempo, que recebemos de Deus.
Apesar de não fazer tanto tempo que falei desse assunto, senti em meu coração a necessidade de tecer algumas reflexões sobre ele novamente. Deve ser porque nunca houve na geração da qual fazemos parte um momento tão oportuno para promovermos uma viagem dentro de nós mesmos, com o objetivo de avaliarmos ou reavaliarmos alguns conceitos, comportamentos, atitudes e valores até então considerados bons ou “normais”.
Para começar, devo dizer que não vou defender a tese de que o Covid-19 é uma peste ou praga enviada por Deus. Ora, se os estudos de 2007, assinados por diversos cientistas, apontam que esse vírus é comum em determinados animais (o morcego, por exemplo), que ele só contaminou o ser humano porque existem pessoas que os consomem e que havia o risco de uma propagação em massa, eu não seria justo se dissesse que Deus tem responsabilidade nisso (CORONAVÍRUS: O QUE NÃO CONTARAM PARA VOCÊ). Ao contrário, entendo que o próprio homem é responsável pelo que está acontecendo.
Feitas essas considerações, quero “emprestar” a fala de José a seus irmãos, lá no Egito. Por terem sido os responsáveis pelas “desgraças” que aconteceram ao irmão, eles estavam com medo de que ele se vingasse, especialmente a partir daquele momento, porque o pai deles havia morrido. No entanto, José os surpreendeu dizendo o seguinte: “Vós bem intentastes o mal contra mim, porém Deus o tornou em bem, para fazer como se vê neste dia, para conservar em vida a um povo grande” – Gênesis 50:20.
José era um homem de Deus e havia compreendido com precisão que acima da vontade inicial de seus irmãos, a qual era prejudicá-lo, estava a do Senhor, que era abençoá-lo e torná-lo um instrumento de salvação para toda a sua família (pais, irmãos, sobrinhos, cunhados etc.), pois a fome que atingira toda aquela região poderia ter levado todos eles à morte.
Hoje não é diferente. Mesmo que esse mal tenha sobrevindo a nós como consequência de uma falha humana, Deus, que é riquíssimo em misericórdia, conforme declara o apóstolo Paulo em Efésios 2:4, pode transformá-lo em bênção. Porém, isso só será possível se estivermos com os olhos e os ouvidos atentos àquilo que esse caos, para o meio do qual fomos arrastados, têm mostrado e falado.
Diante disso, a primeira reflexão que podemos fazer, e até devemos, deve envolver nossa família. A correria da vida moderna muitas vezes nos faz deixar de investir tempo nela. Veja que eu disse investir e não gastar. Muitos de nós estamos tão preocupados com o sucesso profissional e financeiro, que acabamos por sacrificar o tempo com o cônjuge e com os filhos. E até certo ponto é necessário e justificável. Contudo, quando isso começa a gerar conflitos, a perda dos vínculos e, consequentemente, o afastamento (embora às vezes continuem vivendo sob o mesmo teto), é hora de rever os valores e as prioridades. E, se ainda não havia caído a ficha, este momento é bem oportuno e propício para ver como a convivência familiar é importante e necessária para um ajudar e apoiar o outro. E mais: para um sentir que precisa do outro.
A segunda reflexão a fazer está diretamente relacionada à necessidade de perceber o quanto nosso trabalho é importante, mas também o do outro. Geralmente não paramos para pensar sobre o quanto é fundamental o serviço do caminhoneiro, do profissional da saúde e de tantos outros. Pior ainda: valorizamos excessivamente a ocupação de algumas pessoas, sem nos dar conta de que as mais necessárias ficam deixadas de lado – I Coríntios 12: 12 ao 27 – e a sociedade é parecida com a Igreja do Senhor.
A terceira é que existem coisas que possuem preço. Muitas, um alto preço. Todavia, as que mais importam têm valor. Por exemplo, a liberdade. Esse afastamento social obrigatório mostra claramente o quanto a liberdade de ir e vir é um bem de valor incalculável. Desse modo, precisamos usufruir dela da melhor e mais responsável maneira possível, aproveitando cada momento para apreciar a beleza que existe nas coisas ao nosso redor, porque, normalmente, pensamos que tudo ao nosso redor é cinzento e sem graça – Salmo 19: 1 ao 6; João 8:31,32 e 36.
A quarta: o sábio Salomão declarou que há “tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntar pedras; tempo de abraçar e tempo de afastar-se de abraçar” ou “tempo de abraçar, e tempo de abster-se de abraçar” – Eclesiastes 3:5. Agora, por exemplo, por uma questão de saúde, é tempo de não abraçar. Assim, temos condições de perceber claramente a diferença entre companhia e comunhão.
Enquanto a palavra companhia a princípio se refere à presença física de alguém junto com outrem, comunhão traz o sentido de “realizar ou desenvolver alguma coisa em conjunto; harmonia no modo de sentir, pensar, agir; identificação: comunhão de pensamentos” (Ela deriva do Latim COMMUNICARE, “partilhar, colocar em comum, dividir”).
Dessa maneira, entende-se que a comunhão pode existir mesmo sem a presença física de alguém. Isso significa que ela pode fazer parte da vida de duas ou mais pessoas, mesmo que não estejam corporalmente juntas. Portanto, também cabe uma reflexão nesses tempos de Covid-19: temos somente a companhia das pessoas da família ou comunhão com elas? Ou seja: estamos vivendo sob o mesmo teto ou desenvolvido alguma coisa em conjunto e partilhado algo importante, como sentimentos (alegrias e tristezas), sonhos, projetos entre outros? Afinal, até insetos vivem no mesmo ambiente que nós, porém não quer dizer que comungamos com eles.
Em quinto lugar, quero dizer que também é tempo de meditar um pouco sobre como somos fracos e pequenos. Basta um vírus ou uma bactéria para provocar um enorme desequilíbrio em nosso corpo podendo, inclusive, levar-nos à morte. Dessa forma, percebemos que não podemos ser arrogantes ou soberbos, supondo que somos melhores que nossos semelhantes. Além disso, precisamos aproveitar para compreender que não somos autossuficientes. Ao contrário, carecemos uns dos outros. Por isso, o egoísmo e a antipatia devem dar livre passagem ao altruísmo e à empatia, lembrando-nos de que o Senhor nos ensinou que “… amar ao próximo como a si mesmo é mais importante do que todos os sacrifícios e ofertas” – Marcos 12:33; Ver também: “A soberba precede a ruína, e a altivez do espírito precede a queda” – Provérbios 16:18.
O sexto motivo de reflexão deve ser em que pé anda nosso relacionamento com Deus. Os afazeres do dia a dia, infelizmente, roubam nosso tempo de comunhão com o Pai Celestial. Às vezes, parece que precisamos de dias com trinta horas ou mais para fazermos todos os serviços. Como isso é impossível, dedicamos todo o tempo que temos à disposição para tais atividades. Entretanto, o pior é que mesmo quando temos a possibilidade e a oportunidade, preferimos fazer outras coisas mais interessantes. Afinal, esse negócio de Deus é coisa de careta ou de pessoas mais velhas. Assim, tocamos o barco para frente, agindo conforme fala uma música secular: “Deixa a vida me levar / Vida leva eu…”.
No entanto, quando nos deparamos com uma situação como a atual, percebemos nossa fragilidade (física, emocional, psicológica, financeira, espiritual…) e o quanto precisamos de Deus. E mais: talvez nesses dias sentimos vontade de ir a um templo participar de um culto, mas não podemos ir, porque as aglomerações de pessoas estão proibidas. Observe que bastou a disseminação desse vírus para abalar as estruturas políticas, econômicas/financeiras, sociais e religiosas do mundo.
Tudo isso nos leva a perceber a verdade presente nas palavras de Jesus: “O ser humano não viverá só de pão, mas de toda palavra que procede da boca de Deus” – Mateus 4:4. Em outras palavras: todos nós precisamos de outro alimento além de arroz, feijão, carne, frutas, verduras, legumes e outros. Temos uma carência nutricional que só é suprida com a palavra que vem de Deus, pois somente ela pode alimentar nosso espírito, trazendo saciedade espiritual, paz, alegria, equilíbrio, segurança, esperança e mais do que isso: comunhão com o Senhor e a certeza de que passaremos a eternidade com ele. Veja o que declarou Jesus: “O Espírito é o que vivifica; a carne para nada aproveita. As palavras que eu lhes tenho falado são espírito e são vida” – João 6:63. O mestre também disse: “Eu sou o pão da vida” – João 6:48.
Cerca de 760 anos antes de Cristo, o profeta Amós, inspirado por Deus, profetizou: “Eis que vêm dias, diz o Senhor Jeová, em que enviarei fome sobre a terra, não fome de pão, nem sede de água, mas de ouvir as palavras do Senhor. E irão errantes de um mar até outro mar e do Norte até ao Oriente; correrão por toda parte, buscando a palavra do Senhor, e não a acharão” – Amós 8:11,12.
Essa profecia teve uma aplicação para aquela época, mas ela também aponta para o tempo do fim, ou seja, tem valor escatológico. Por esse motivo, precisamos estar atentos aos sinais que antecedem a volta de Jesus para buscar sua Igreja. E, como não sabemos qual será o dia da nossa morte ou a volta de nosso Senhor, precisamos seguir o conselho de Amós: “… prepara-te, ó Israel {povo de Deus}, para te encontrares com o teu Deus” – Amós 4:12.
Por fim, quero dizer o seguinte: aproveitemos esse tempo de caos exterior para organizar nosso mundo interior. E, se nessas reflexões constatarmos que precisamos fazer alguns ajustes, não os deixemos para depois. Se eles disserem respeito a comportamentos, atitudes e valores pessoais e individuais, devemos tomar as providências cabíveis. Caso eles envolvam relacionamentos, gostaria que pensasse/meditasse nisso que vou dizer: existem três coisas que precisam, obrigatoriamente, estruturar um relacionamento, a fim de que ele seja saudável e duradouro. São elas: saber ouvir, saber falar e investir tempo para cultivá-lo.
Sei que preciso terminar este artigo. Mas não posso fazê-lo sem antes falar mais uma coisinha: quando se trata do relacionamento com Deus, o princípio é o mesmo. Isso quer dizer que:
- Precisamos ouvir o que ele tem a falar, principalmente sua vontade revelada nas Escrituras Sagradas, uma vez que: “Toda a Escritura é inspirada por Deus e útil para o ensino, para a repreensão, para a correção e para a instrução na justiça, para que o homem de Deus seja apto e plenamente preparado para toda boa obra” – 2 Timóteo 3:16,17; Ver o Salmo 119:105.
- Precisamos falar com ele em oração, como Jesus fazia constantemente: “E aconteceu que, naqueles dias, subiu ao monte a orar e passou a noite em oração a Deus” – Lucas 6:12.
- Precisamos investir tempo indo à Casa de Deus para congregar e comungar com nossos irmãos, pois lá louvamos ao Senhor e também ouvimos o que ele tem a dizer através da Palavra ministrada no altar. Além disso, por meio do testemunho de alguém, vemos o que o Pai tem feito por seus filhos e, assim, nossa fé é edificada e fortalecida: “Não deixemos de reunir-nos como igreja, segundo o costume de alguns, mas encorajemo-nos uns aos outros, ainda mais quando vocês veem que se aproxima o Dia” – Hebreus 10:25.
- Se não tivermos nenhuma condição de oferecer nosso culto ao Senhor no templo (construção, edifício), como está acontecendo agora, podemos fazê-lo na nossa própria casa. Certa feita, Jesus disse o seguinte aos discípulos: “Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, ali estou no meio deles” – Mateus 18:20. E a apóstolo Paulo fez esta declaração: “Pois somos santuário/templo do Deus vivo. Como disse Deus: Habitarei com eles e entre eles andarei; serei o seu Deus, e eles serão o meu povo” – 2 Coríntios 6:16. Portanto, podemos e devemos continuar sendo a Igreja do Senhor dentro de casa ou qualquer lugar onde estivermos.
- E não nos esqueçamos de que o Senhor pode, e certamente quer, transformar todo este mal que temos visto e vivido em bem, atraindo-nos para mais pertinho dele. Afinal, que pai sensato e amoroso não quer que os filhos estejam sob suas asas?
- Aquilo que parecia ser o fim de José, foi um recomeço e com uma mudança de patamar. Então, o status quo dele, ou melhor, o estado atual foi mudado de alguém que ‘havia perdido a liberdade’ para governador de todo o Egito. E assim como esse homem mudou de status depois da adversidade, Deus também pode levar você a um nível de vida mais elevado, especialmente em seu relacionamento com ele: “Eu serei para vós Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o Senhor Todo-Poderoso” – 2 Coríntios 6:18.
Sugestão de música: Vem de Ti, Senhor– Diante do Trono
Abril/2020
Nilton
13/04/2020 at 11:05
Excelente explanação do que realmente importa nestes dias de crise, que possamos aproveitar este momento para uma reflexão profunda sobre nossos valores, atitudes e comportamento como seres humanos e cristãos que somos.
Parabéns Marcos Araújo pelo excelente texto!
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